Ed. 4 — Dez coisas para ajudar na escrita que não exigem uma única palavra (ou quase isso)
Com a palavra, Jana P. Bianchi, de "Lobo de Rua". Atenção: esta edição contém cachorros fofos.
Lobo de Rua foi o segundo título publicado pela Dame Blanche — e desde então, Jana P. Bianchi parece ter se multiplicado em várias frentes: editando (seja na Mafagafo ou na Faísca), traduzindo, falando em podcasts e outras atividades variadas… E também dando conselhos de escrita aqui e ali — como é o caso hoje, neste texto exclusivo.
Fala aí, Jana!
É, meus amigues, a vida anda cruel. Com a quarentena que nunca acaba, contagem de mortos por COVID subindo e todos os problemas político-sociais de Brasil 2020, que não está de brincadeira, não é de se admirar que muita gente por aí (incluindo eu!) esteja com dificuldade de escrever. Mas nem tudo está perdido! Pensei em uma lista de dez coisas que você pode fazer nesses tempos difíceis para manter a massa criativa do cérebro em funcionamento.
Pensei nesse tema considerando que muitos dos assinantes da newsletter da Dame Blanche escrevem ou querem escrever. Mas, se esse não é o seu caso, nada tema: juro que são coisas divertidas e úteis para todo mundo que gosta de estimular a mente. Além disso, nunca é tarde para colocar suas caraminholas no papel… Quem sabe isso não estimula você a entrar no maravilhoso (e doido) mundo da escrita?
1. Anote suas ideias
Sim, o primeiro item já dá uma leve contrariada no título. Mas só um pouco, vai — se o título tivesse letrinhas pequenas, elas diriam: “*Nenhuma palavra de ficção. Não nos responsabilizamos por outros tipos de palavras”. Aliás, a autora desse título é a maravilhosa Fernanda Castro, que em pleno domingão deu uma assessoria gratuita para a pior atribuidora de títulos da face da Terra, a pessoa que lhe fala.
Coloquei esse tópico em primeiro lugar porque uma das coisas que mais me motiva e faz eu me sentir produtiva, mesmo quando não estou escrevendo nada, é ter novas ideias. Fora que as ideias não se perdem, e podem ser exploradas num momento mais oportuno — não tem nada mais triste do que ter uma ideia boa, confiar na própria memória e dali um tempo se arrepender porque ela desapareceu da sua cabeça da mesma forma que tampas de caneta Bic desaparecem por aí. Eu tenho um arquivo no Google Drive, cujo atalho está sempre no meu navegador, e não é exagero dizer que todo dia coloco uma nova ideia lá. Eu escrevo uma frase simples, às vezes colo o link de algo que me fez ter a ideia, e pronto. De vez em quando abro o arquivo e fico toda empolgada esperando pelo dia em que vou poder transformar uma delas em um texto (ou em parte de um). Sei também de gente que usa caderninhos destinados a isso, aplicativo de blocos de nota e até mesmo o bom e velho email ou mensagem para si mesme.
2. Leia ou assista alguma coisa, mas prestando atenção no que faz você curtir aquele conteúdo
Pode ser que outras listas com título tipo “Dez coisas para livrar você da procrastinação” sugira exatamente o contrário, mas épocas desesperadas pedem medidas desesperadas, certo? Realmente: assistir séries, filmes, desenhos e afins com a desculpa de estar pesquisando para a própria escrita pode ser um atalho para a procrastinação, mas às vezes isso é melhor do que nada. Seja gentil com você. Aproveite esse momento fazendo algo gostoso para tentar entender: por que você gosta desse conteúdo? O que você pode aprender e depois usar na sua própria escrita? Se estiver em um dia de particular inspiração, vale anotar isso em algum lugar para voltar e ler depois. Se você usar aquelas plataformas para marcar o que lê ou assiste, vale deixar uma pequena resenha sobre a obra para manter esse registro. E claro, se tiver alguma ideia no meio do processo, vá já correndo para a listinha de ideias que apresentei no tópico 1.
3. Crie fanfics na sua cabeça
Vamos lá, também não falamos nada sobre palavras dentro da sua própria cabeça, né? Zoeiras à parte, não é segredo para ninguém que escrever fanfics é uma ótima maneira de exercitar sua escrita. Mas, às vezes, o bloqueio é tamanho que você não consegue sequer escrever histórias sem compromisso com personagens que ama.
Quando é assim, no entanto, nada impede você de SONHAR. Tente criar na sua cabeça a trama daquele ship inesperado (com ou sem cenas tórridas, à escolha da freguesia). Crie aquela situação em que você sempre quis ver seus personagens — vale inclusive mudar histórias que já aconteceram, usando o famoso “mas no meu coração, foi assim que aconteceu”. Mas atenção: faça isso sem compromisso algum de verossimilhança ou de lógica. Se você deixar, escrever fanfics vai exigir tanta dedicação, planejamento e raciocínio quanto escrita autoral. Só deixe sua cabeça criar, pegando todos os atalhos possíveis. É claro que, se no processo você estiver conseguindo colocar as palavras da fanfic no papel, amasse (figurativamente) essa lista e abra o Wattpad ou o Nyah!.
4. Comece um diário
A primeira vez que li esse conselho, em algum texto sobre destravar a criatividade ou coisa do gênero, achei que era a maior bobagem. Mas não é que funciona? Fora que, adivinha só: escrevendo o que aconteceu comigo, tenho um monte de ideias — que anoto na minha lista de ideias que apresentei no primeiro tópico. Ah, e se liberte da ideia romantizada do diário! Um diário não serve necessariamente abrir sua alma e contar segredos íntimos.
Você também não precisa começar com “Querido diário:”, ou fingir que está escrevendo para um interlocutor que existe. Um diário também serve para você escrever o que fez no dia — por mais bobo que pareça — ou o que está passando pela sua cabeça — por mais fútil que pareça. E o grande barato do diário (pelo menos com esse propósito de destravamento) é escrever sem se preocupar com ortografia, gramática, encadeamento de ideias e, se ele for escrito à mão (que dizem que é a situação ideal), sem se preocupar também com a letra.
Foto de Marcos Paulo Prado via Unsplash)
5. Leia ou assista coisas de não-ficção sobre algo aleatório que te interessa
Eu não sei vocês, mas eu ando me sentindo mal por fazer coisas que parecem “sem propósito” ou “inúteis”. Às vezes estou lendo algo que me interessa — sei lá, sobre o museu DDR, um museu sobre a vida da Alemanha Oriental, com o qual esbarrei hoje mais cedo no Twitter — e uma vozinha amarga me pergunta: “isso vai servir para quê?”. Tenha mais força do que eu: mate essa vozinha em você. Abra tantos artigos da Wikipedia sobre tipos de encadernação quanto possível, pesquise a internet inteira sobre quanto o Optimus Prime pagaria de IPVA, se perca no Youtube indo de um vídeo sobre culinária japonesa para outro (só resista à fome), veja documentários sobre o Titanic ou sobre alienígenas ou sobre pessoas curiosas notáveis por fazer sei lá o quê. Mesmo que isso não tenha nada, absolutamente nada a ver com o que você anda escrevendo — spoiler: pode inclusive acabar entrando em alguma outra história sua no futuro, mas isso já é outra história.
6. Pense em versões alternativas de notícias do mundo real
Eu amo aquelas histórias em que algo muito doido acontece e depois sai uma notícia no jornal meio que resumindo o acontecimento maluco em uma manchete que parece plausível para “pessoas normais”. O processo inverso pode ser muito divertido também. Abra os jornais (tente desviar das atualizações sobre o COVID e as manchetes mais frustrantes da política, se possível), e tente imaginar o acontecimento maluco e/ou sobrenatural que poderia estar por trás daquela manchete. Às vezes já serve seguir a versão de bolso dessa dica e imaginar o que há por trás de uma das pessoas, lugares ou objetos envolvidos na notícia. Já está ficando cansativo, mas é que a vida é assim mesmo: se esse processo te der alguma ideia nova, vá correndo anotar.
7. Faça atividades físicas
Vai parecer meio “ei, crianças, não esqueçam de escovar os dentes”, mas estou dando esse conselho do fundo do meu coração naturalmente sedentário. Eu percebo um prejuízo gritante na minha criatividade e produtividade quando, por alguma razão, fico sem fazer exercício nenhum. No momento, tanto a academia onde nado quanto o espaço de artes onde faço aula de circo estão (ainda bem) fechados. Acabei me deixando levar pelo sedentarismo e fiquei algumas semanas sem mexer nada do corpo — e para piorar, ainda baguncei tudo minha alimentação e minha rotina de sono. Foi a pior coisa que podia ter feito, ainda mais considerando que não estou saindo de casa para outras atividades e estou trabalhando mais do que devia. Estou voltando à vida ativa aos poucos — bem aos poucos mesmo, dando caminhadas na quadra (tomando todas as precauções) e brincando de puxar a cordinha com a Paçoca pelo menos uma meia horinha por dia. Já estou começando a ver efeitos aqui e ali. Inclusive, aqui vai uma foto da Paçoca e a cordinha para animar o seu dia.
8. Releia coisas antigas que você escreveu
Reler coisas antigas é algo que causa muitas emoções variadas. Quando é algo que você escreveu há muito tempo, geralmente a emoção predominante a vergonha (mas, se tudo der certo, aquela vergonhazinha do bem, que você nem liga de compartilhar com amigos ou mesmo nas redes sociais). Isso pode parecer desencorajador, mas na verdade é justamente o contrário: adoro ver como o tempo e meus estudos sobre escrita me fizeram melhorar. Além disso, você inevitavelmente vai esbarrar com alguma coisa muito legal que escreveu em algum lugar e da qual nem lembrava mais. Uma das sensações mais incríveis que tem é ler algo, pensar “que incrível!” e logo depois perceber que aquilo saiu do seu cerebrozinho.
Alternativamente, se você já tiver algo publicado em blogs, plataformas, editoras ou sei lá onde mais — ou então se costuma trocar e-mails e mensagens com outras pessoas sobre o que escreveu —, pode ser legal ir dar uma olhada no que as pessoas já falaram (de bom) sobre suas obras. Reler um elogio sempre é bom! Pode ser uma boa oportunidade de reler o que as pessoas sugerem de mudança na sua escrita, mas só se você já lidar bem com críticas e estar com um pouco de motivação. Inclusive, se você estiver precisando de palavras de estímulo ou algum amorzinho gratuito, por que não ir para as redes sociais pedir um pouquinho de biscoito, literário ou não?
9. Tente explorar outras artes, SEM COMPROMISSO
As caixas altas no título do item não são por acaso. A ideia desse tópico é tentar fazer arte, só que deixando de fora justamente a coisa que faz com que a gente não aproveite todo o potencial que as coisas têm de serem legais: a cobrança. Não me entenda mal: cobrança e compromisso também é importante. Eu me cobro quando estou escrevendo porque quero escrever cada vez melhor, publicar, talvez ganhar dinheiro com isso — então faz sentido que eu me comprometa.
Mas não tenho a intenção de ser ilustradora, por exemplo, então por que me cobraria na mesma medida ao desenhar? Essa é uma das coisas que me faz gostar tanto de rabiscar, inclusive: eu aprendi que é algo que me faz bem, mesmo que eu não faça tão bem. Você pode fazer a mesma coisa com desenho, pintura, escultura, música… Se conseguir o desapego necessário, com certeza vai ter ideias e vai sentir a criatividade fluir um pouquinho. Se você for uma pessoa esportista, pode expandir esse tópico para algum esporte e, de quebra, ainda exercer o tópico 7.
10. Escreva coisinhas em formatos não-convencionais
Opa, aqui sim dei o golpe! Deixei esse tópico por último porque estou meio que roubando — mas o texto é meu, então se reclamar vou fazer um décimo primeiro tópico, hein? Brincadeirinha! Enfim, nosso cérebro é uma coisinha maluca. Às vezes ele encara apenas a escrita da prosa convencional como escrita — nesse caso, aproveite para passar a perna nele e produzir em outros formatos. Na Faísca, o projeto de ficções relâmpago da Mafagafo, a gente já escreveu um monte de coisa em formato doido: carta, ementa de matéria fictícia, prova de teologia prática, bula de remédio, registro de envio de produto pelo correio, matéria de jornal… Tem tanta possibilidade! Se tiver de bobeira e pensar em algo assim, diferente, tire uns minutinhos e tente colocar no papel. Você pode inclusive editar o bichinho mais tarde e enviar para a Faísca!
E é isso. Se tiver alguma outra ideia de coisa que você costuma fazer quando está sem condições de produzir, responde este email que tenho certeza de que a dona Anna, minha chefa e coordenadora da nave-mãe da Dame Blanche, vai encaminhar a sua cartinha para mim.
Se puder, fiquei em casa, e fique bem!
Por enquanto, é isso. Mais notícias na próxima quinzena (e notícias das boas.) Cuidem-se, lembrem de usar a máscara e manter distância de duas Paçocas (foto acima) entre você e as outras pessoas se precisar sair à rua…
E, como sempre, se você leu algo da DB e curtiu, não esquece de comentar por aí — seja no Twitter, no Instagram, no Skoob, no Goodreads.
Um abraço, e boas leituras!
Anna Martino
diretamente do escritório da Dame Blanche