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Ed. 10 — O que faz do fim do mundo um fim?

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Ed. 10 — O que faz do fim do mundo um fim?

E o que acontece depois que esse "fim" aconteceu? Esta e outras perguntas andam na cabeça do novo autor da DB, Renan Bernardo.

Editora Dame Blanche
Aug 27, 2021
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Ed. 10 — O que faz do fim do mundo um fim?

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Desenho de um cachorro Golden Retriever em uma roupa de astronauta, indo em direção a uma máquina de escrever que flutua no meio do espaço sideral.

Todo lançamento da DB é como se fosse o primeiro — e desta vez, estamos de partida para um Rio de Janeiro que continua lindo… E confuso… E muito debaixo d’água, por culpa do aquecimento global. Este é o cenário de O Rio Que Passou Em Minha Vida, o mais novo livro da editora. Hoje, o palco da newsletter é do Renan Bernardo, autor desta aventura em que nada é exatamente o que parece…


— Seu pai… — diz Néia. (…) — Ele pensava que o mundo tinha acabado, né?

— Você não acha?

— Bom… Eu sempre considerei que o mundo acabaria quando as pessoas não conseguissem mais viver nele.

Como andaram dizendo por aí desde que a pandemia começou, estamos todos no mesmo oceano, mas em barcos diferentes. É inevitável que Néia e Rebeca — as protagonistas de O rio que passou em minha vida — vejam o mesmo colapso com pontos de vista diferentes. Néia, moradora da zona oeste do Rio de Janeiro, é ex-professora e passou anos da vida esmagada no transporte público para ir trabalhar. Rebeca, moradora das melhores arcologias de São Paulo, passou os anos da juventude aclimada atrás de vidros reforçados e longe da confusão das ruas. Não é exagero dizer que as duas, que precisarão confiar uma na outra, enxergam os canais do Rio de forma completamente distintas.

Mas será que o mundo delas acabou? E o nosso está para acabar? Quando é possível afirmar que estamos vivendo em um cenário pós-apocalíptico?

Acho que só me dei conta da severidade da mudança climática induzida pelo ser humano e do colapso climático proveniente dela quando li esta matéria do The Guardian (em inglês) e vi que ela incluía uma simulação de como o Rio de Janeiro ficaria se nada fosse feito e a temperatura média global subisse 3 °C. E uma das áreas mais tomadas pelas águas no mapa (imagem abaixo) é justamente onde pouco é feito em termos de investimentos sociais (o espalhamento quase fúngico no lado superior esquerdo da Baía de Guanabara).

fonte: Fonte: https://www.theguardian.com/cities/ng-interactive/2017/nov/03/three-degree-world-cities-drowned-global-warming

Inclusive, foi essa matéria que implantou a sementinha de O rio que passou em minha vida. Só fui escrever a história anos depois, mas a ideia germinou por algum tempo. Em dezembro de 2019 e janeiro de 2020, escrevi a primeira versão. O tempo do lançamento foi tristemente preciso: dias após a ONU liberar um documento assustador sobre o futuro do planeta; dias depois de incêndios, cheias e fenômenos extremos preencherem os jornais do mundo todo.

Um dos pilares da história é que eu quis que ela mostrasse a severidade de um colapso climático no Rio de Janeiro, mas sem os extremos desoladores que se vê em The Walking Dead, Eu Sou a Lenda ou obras do gênero.

O conceito moderno de “cenário pós-apocalíptico” por si só é bastante curioso.  Embora um conceito bastante antigo, a versão mais moderna do significado surgiu no mundo ocidental desenvolvido. Normalmente, um cenário pós-apocalíptico se refere a um lugar onde a vida foi degradada pela falta de um sistema que se autoimplodiu. Como se sem ele não fosse possível existir resiliência, reconstrução e amor. E veja bem a ironia: o mundo desenvolvido ocidental, que expressa tanto o medo de um apocalipse em sua arte, é exatamente o que teve seu progresso e suas riquezas atrelados ao apocalipse de milhares de outros povos, principalmente nas Américas, na África e partes da Ásia.

O pós-apocalipse da Rebeca veio quando ela não podia mais viver nem em arcologias (relaxe, não é spoiler da história) e precisou ir para o espaço. O da Néia, por outro lado, já vinha acontecendo havia anos, conforme as águas do Rio subiam e já não era mais tão chocante ver a própria casa inundada. Enquanto isso, para a população desse novo Rio, cujas ruas se tatuavam com as águas do Atlântico, muitas comunidades, famílias e indivíduos tiveram diferentes visões do que estava acontecendo.

A palavra-chave aqui é resiliência. Foi mais ou menos na mesma época que escrevi o primeiro rascunho da história que li sobre resiliência aplicada à comunidades afetadas por crises e como esse conceito é importante em histórias de ficção científica (incluindo, principalmente, o que normalmente enquadram em Solarpunk, Hopepunk e Ficção Científica Climática). Resiliência significa adaptação, mas é importante destacar que resiliência não é conformismo ou aceitação. Ela é um conceito ativo, enquanto conformismo é passivo. Resiliência é saber se adaptar e lutar enquanto se sobrevive e, na medida do possível, se é feliz. É pegar o ruim e  esculpir o bom a partir dele. É isso que a gente vem tentando fazer por aqui desde março de 2020 (janeiro de 2019, para ser mais exato).

Voltando à essência da pergunta da Néia, que abriu esse texto: quando que o mundo acaba? É possível dizer “já era” se ainda temos vida dentro de nós, ainda amamos e somos amados, nutrimos esperanças e sonhos, e temos energia para um novo dia? Dizer “já era” é assumir a derrota para um sistema que vem tirando muito e deixando pouco — ou tirando de muitos e dando para poucos. Se olharmos para as águas subindo e as florestas queimando e falarmos “já era, perdemos”, podemos ter certeza que 1% do mundo vai olhar o mesma cenário e falar “já era, vou embora”. E lá se vão para seus bunkers e estações espaciais e cidades flutuantes.

Não estamos fadados ao fracasso sem o sistema, como a literatura e a mídia audiovisual nos faz acreditar na maioria das vezes. Se fracassamos, é por causa dele. E não necessariamente o que está depois tem que ser ruim e sombrio e assustador. Estaremos lá aos milhares — milhões — para mudar e reconstruir e curar.

Em O rio que passou em minha vida, eu mostro um Rio de Janeiro ainda mais afetado que aquele do mapa acima. O nível do mar subiu bem mais e os governos colapsaram por completo, mas o cenário não é pós-apocalíptico. Os canais da cidade ainda fervilham de vida, de inventividade e de samba. É ruim, mas a gente vai fazer melhor. Eles podem marchar para suas estações espaciais, mas como escreveu Lauren em A parábola do semeador, de Octavia Butler: “Tudo que você toca, você muda. Tudo que você muda, muda você.”

Enquanto a possibilidade de novos inícios existir, não existirá um fim do mundo.


O Rio Que Passou Em Minha Vida já está em pré-venda pela Amazon, e estará também disponível via, Kobo, Google Books, Apple Books e Scribd a partir do dia 03/09. E

se você leu até aqui, um pedido da gerência: se você leu algo da DB e curtiu, não esquece de comentar por aí — seja no Twitter, no Instagram, no Skoob, no Goodreads.

Nos vemos em breve!

Com um abraço,

Anna Martino,
diretamente do escritório da Dame Blanche

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